Singularidades...
Amor, desejo e desculpinhas...
Disseram que felicidade é coisa de merecimento – e tem gente que acreditou.
Disseram que o amor das nossas vidas nos encontraria em alguma esquina – e tem gente que acreditou.
Disseram que os opostos se atraíam, disseram que os opostos se distraíam – e tem gente que acreditou.
Há homens que dizem que a mulherada não quer nada sério, há mulheres que dizem que os homens não querem nada com nada – e tem gente que continua acreditando.
Há quem diga que seria mais feliz se fosse homossexual, há quem diga que a vida seria mais fácil se fosse heterossexual – e tem gente que ainda acredita.
Tem quem diga que as mulheres modernas assustam os homens, tem quem diga que os homens estão perdidos em suas virilidades e que por isso desencantam as mulheres. E, sim, tem quem acredite.
Como se as mulheres e os homens fossem grandes massas de pessoas que não pudessem ser descolados do resto do seu bando.
Como se não houvesse homens ansiosos por serem assustados por mulheres decididas em sua feminilidade e autonomia, mas loucas de desejo por se enlaçar em alguém. Como se não houvesse mulheres ardendo de vontade de encontrar um homem que seja viril justamente por não precisar obturar suas fragilidades.
Como se o ser humano pudesse ser plenamente coletivizado e ter o seu modo de existir justificado apenas pelo século ou pela família em que nasceu.
É verdade que a gente acredita nessas coisas, em parte porque elas realmente acontecem, mas em parte porque elas nos apaziguam. É sempre mais fácil quando achamos um culpado, e mais fácil ainda quando esse culpado não somos nós. Mas é verdade também que, como disse Lacan, de nosso desejo, somos sempre responsáveis. E é por isso que cabe a nós, a cada um de nós, inventar e reinventar a modernidade, a pós-modernidade, a contemporaneidade e seja lá mais o que for, cada um do seu jeitinho.
O mundo não é justo e nossas alegrias na vida vão para além das nossas boas intenções de encontrá-las. Não é simplesmente porque existimos que seremos felizes. Não é apenas porque pensamos que queremos encontrar um par, que o amor da nossa vida vai derrubar os livros na nossa frente à-la-comédia-romântica-água-com-açúcar e então viveremos uma linda história de amor.
É preciso que deixemos nossos ideais caírem para que, em vez de encontrarmos alguém que preencha uma vaga na nossa vida, possamos encontrar quem cultive lugares novos, que antes não existiam na nossa vida nem em nós.
O desejo, em psicanálise, nos ensina que é justamente nos atropelos da vida, no inesperado, naquilo que nos desconcerta e que permitimos que nos modifique, que o amor nos encontra. E aí podemos sair da repetição de buscar sempre o mesmo para sermos encontrados pelo novo.
Fonte: http://www.revistalinguadetrapo.com.br/amor-desejo-e-desculpinhas-por-ana-suy/