Deu match!
DEU MATCH!
Enquanto eu torcia para que o décimo nono andar chegasse logo, tentava não respirar, a fim de não sentir o perfume fedido de algum daqueles dois homens no elevador.
Não sabia qual deles fedia, tinha um de camiseta branca e outro de pulôver preto. Ambos mexendo no celular. No elevador, todo mundo mexe no celular para não se olhar. Deouzolivre subir dezenove andares sem celular. Não tinha nada de novo no meu celular, notificação nenhuma, mas ele estava ali, nas minhas mãos, pra me ajudar a não olhar pras pessoas.
Aquele cheiro de colônia-fresca-de-cara-descolado, com um tom de tabaco-de-projeto-de-homem-conservador, quase me fazia sair correndo para comprar um Halls-ou-um-Trident-ou-um-Buballoo-ou-um-cigarro-de-menta-ou-qualquer-tranqueira-com-a-qual-quando-era-adolescente-eu-adoçava-a-boca. O perfume era uma espécie de “Quasar” gourmet. Eca! Tão ruim que eu sequer conseguia olhar para o rosto de um daqueles homens. Viva o celular. O cheiro daquele perfume era tão íntimo para mim, que me causava náuseas e lembranças de baladas que terminavam sempre mal, muito mal. Meu dj mental começou a tocar Blink 182, juro.
Eu já estava quase vomitando, quando veio a salvação para mim. Enquanto o elevador finalmente passava do décimo andar, meu celular fez pim-pim! Olhei e reconheci o sinal, deu match. Imediatamente me distraí daquele cheiro horroroso e o tal do crush me enviou uma mensagem – assim, sem titubeio. O elevador chegou no meu andar e enquanto eu procurava a chave de casa na bagunça da minha bolsa, ele já começou a falar, não me lembro o que, mas foi qualquer coisa do tipo que era mesmo uma conversa e não uma entrevista de quem está em recrutando alguém para a vaga de namorada e que por isso precisa atender a determinados critérios.
Entrei em casa, me joguei no sofá para tirar o sutiã cujo maldito ferrinho tinha escapado e estava me torturando, então começamos a conversar. A coisa simplesmente estava fluindo.
No dia seguinte demos um passo a mais e fomos para o whatsapp. Ele era divertido e me fazia rir alto, mesmo através do celular. Ele me mandou uns áudios, e, uau, que voz! Três dias conversando e nada do famigerado e broxante pedido de envio de nudes. Que maravilha! As conversas corriam naturalmente e prendiam minha atenção. Ele me respondia numa velocidade que não me causava nem aquela angústia do tipo meu-Deus-esse-cara-tá-desesperado e nem aquele desespero causado pelo maldito joguinho do ganha-quem-se-importa-menos. Ótimo.
Finalmente, depois de repetir mentalmente para mim, duas ou cinco milhões de vezes, não-vou-criar-expectativas-pois-pra-quem-tem-preguiça-de-desligar-o-netflix-e-sair-de-casa-o-que-vier-é-lucro, mas também depois de sem-querer-querendo já ter meio que decidido o nome dos nossos filhos e ter enfrentado uma briga imaginária com a família dele, por eu não querer casar na igreja e a mãe dele ficar chateada, também depois de uma crise existencial e meia torcendo para que ele não tivesse uma ex-namorada com o nome de Amanda, pois foi o nome que escolhi para a nossa filha – saímos para nosso primeiro encontro.
Foi lindo. Eu sentia um espécie de frio na barriga espalhado pelo corpo todo, mas sem ataque de ansiedade. Era uma angústia gostosa, eu estava me divertindo mesmo. Quando meus olhos se depararam com o corpo dele era como se eu já o conhecesse. "Vai dar boa", eu dizia pra mim mesma, mesmo tentando não dizer.
Nos aproximamos, ele sorrindo o sorriso mais lindo que eu já tinha visto, os olhos dele me brilhando uma mensagem subliminar do tipo já-nos-conhecemos-de-outra-vida, ele encostou a bochecha dele na minha e fez um estralo de beijo, dizendo qualquer coisa que eu já não ouvi, pois uma corrente de ar, encharcada do cheiro daqueeele perfume, invadiu as minhas narinas, se espalhando pela minha alma, que estava toda aberta à espera dele. Meu dj mental começou a tocar roaller coaster, o gosto mentolado do cigarro que não fumo há quase duas décadas me subiu à garganta, me fazendo imediatamente reconhecer que ele era o maldito cara do elevador. O da camiseta branca.
Fonte: http://confrariadostrouxas.com.br/2017/05/deu-match.html