O meu caos e o caos do outro.
Palavrinhas Mágicas
Bom dia, por favor, boa tarde, obrigada, olá, está bem, boa noite, tudo bem por mim, agradeço, bem sim e você?, sinto muito etc etc etc. Palavras de educação, assim me ensinaram, assim faço automaticamente e a coisa sempre funciona. Minha mãe chamava esses termos de “palavrinhas mágicas”. Mãe, quero água. Qual é a palavrinha mágica, querida? P-O-R-F-A-V-O-R. E assim ela trazia a água ou o que quer que fosse, sorridente – hipnotizada?
Mas o que estaria me ensinando ela com essas palavras mágicas? Qual será a bruxaria que as palavras de educação carregam, e que levam as pessoas a agirem como robôs diante delas?
Digo “obrigada” mesmo quando penso “não fez mais do que a obrigação”. Digo “bom dia” e penso “que merda, ainda é tão cedo, estou com sono, quero café”, digo que estou bem quando não estou e por aí segue.
Há um descolamento entre mim e eu que faz com que eu diga coisas que eu não penso, que me leva a agir de modos opostos aos que eu gostaria, que me leva a defender pontos de vista dos quais não estou certa e que me leva até mesmo a dizer mentiras com firmeza, fazendo parecer que acredito nelas em algum lugar de mim, ainda que a maior parte de mim esteja absolutamente certa de que estou adoecida de pontos de interrogação.
Mas a educação nos salva desses conflitos todos. A educação é um modo de falarmos uma língua que não passa por dentro de nós, mas apenas por fora. A educação salva os meus vizinhos, amigos, familiares e colegas de trabalho de ouvir meus verdadeiros dilemas, me entope de coisas que não vou dizer pra ninguém pois não é educado, me faz com que eu não me sinta eu mesma na maior parte do tempo.
As palavrinhas mágicas me fazem pensar que são um modo de eu alcançar as pessoas, um jeito de falar sem usar a minha própria língua, um modo de eu me fazer suportável às pessoas, um modo de não me ser sem deixar de me ser. Bom dia, bom dia, tudo bem?, sim e você?, obrigada, de nada – e o universo segue o seu curso normal. Nem tudo fora de mim é o caos que mora dentro de mim. Às vezes eu penso que o meu caos faz parte de outro mundo e que estou aqui para que testem os efeitos dessas palavrinhas mágicas em mim. Por isso o amor me interessa – acontece nas raras vezes em que topo com o caos de outra pessoa. Acontece quando as palavrinhas mágicas não são dispensadas, mas também não se sobressaem.
Fonte: http://confrariadostrouxas.com.br/2017/05/palavrinhas-magicas.html