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Notas sobre a loucura


Desde o nosso nascimento somos ensinados a servir a um projeto de sociedade normatizada que visa manter lógicas de poder e determinados privilégios nas mãos de alguns grupos. Instituições como a Igreja, o Estado e a Medicina, interessadas na manutenção de determinadas hierarquias, nomeiam de pecado/subversão/loucura aquilo que não serve aos seus interesses. A loucura aparece assim como uma etiqueta que identifica aqueles que fogem da lógica normativa de funcionamento social.

Desde que o mundo é mundo, sujeitos que destoavam do esperado dentro dos papéis sociais eram chamados dentre outras coisas de louco(a). Quer ver só? O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais até muito recentemente patologizava a homossexualidade e ainda patologiza a transexualidade. A noção de perigo aparece para justificar o estigma em relação à loucura, difundindo a ideia que a pessoa louca oferece riscos a si e ao outro e por isso precisa estar sempre sob supervisão ou tutela. De certo existem pessoas com histórico de risco contra si ou contra outrem, mas o que diferencia essas pessoas de nós? Porque os ditos "normais" podem gerir sua vida e os "não normais" precisam estar sob vigia? O que é não saber responder por si?

Se a definição de loucura é fazer uso de medicamento psiquiátrico, devo informar que a maioria da população compõe esse nicho. Os diagnósticos cada vez mais tem sido dados de forma irresponsável, a indústria farmacêutica lucra aos montes com a medicalização desenfreada e os(as) representantes fazem fila para oferecer suas pílulas milagrosas a quem possa receitar. Não sei dizer quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha, mas que acontece, acontece. Não proponho aqui fazer uma campanha contra o uso de medicamentos, só quero apontar que eles nem sempre se fazem necessário e não devem ser a única resposta para o processo de cura. Além do mais, a psicoterapia vai muito bem, obrigado. Que tal fazer uso dela, desenvolver atividades ocupacionais e praticar exercícios físicos? Essas são boas alternativas também e te implicam muito mais na sua promoção de bem estar.

Certamente a reforma psiquiátrica trouxe importantes reflexões e iniciativas para nos fazer repensar a loucura, contudo, as instituições que substituem os manicômios muitas vezes acabam por reproduzir o que se passava por lá. O abuso de medicamentos e o uso de amarras para fazer contenção estão longe de ser protocolos ultrapassados; sem falar no cigarro que vira a grande companhia diante do ócio nos CERSAMs, CAPS e Centros de Convivência.

Para trazer dignidade à loucura, muitas iniciativas precisam constar no nosso projeto de sociedade: (1) é preciso promover um diálogo intersetorial entre os profissionais de saúde de modo que se reconheça e invista em todas as áreas, deslocando o saber médico do centro de todas as respostas; (2) os profissionais de saúde precisam ser melhor capacitados e comprometidos com o trabalho dentro de uma lógica humana e antimanicomial; (3) deve-se buscar entender a realidade sujeitos em situação de sofrimento mental, suas especificidades e promover espaços mais receptivos para que possam usufruir de uma vida digna.

O grande desafio é reinserir sujeitos em uma sociedade que ainda promove uma política de enclausuramento e higienização, seja louco ou não. O que muda primeiro: a política ou a sociedade? Muda?

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