Ressignficando a Lei Áurea
13 de Maio de 1888
É proclamada a Lei Áurea e uma monarca branca se torna a redentora de uma história secular de resistência de seres humanos negros que foram tornados escravos por um sistema colonial e racialista que retirou a humanidade dos povos africanos. Ainda dói, ainda me machuca e ainda me martiriza pensar que a história do mundo e a história daquela terra que acabou se chamando Brasil pudesse ser outra. Ainda penso que sem escravidão, no Brasil, eu poderia nem existir, afinal, foi o tráfico dos meus ancestrais que me trouxeram até aqui para esse momento presente no qual me encontro. Foi e é a resistência desse povo que me mantém com a chama acesa e com a vontade mudar um país que “celebra” a sua multirracialidade e defende seu status de democracia racial, mas ainda vive sobre os efeitos perversos de um sistema escravocrata que, em nome da modernização, subalternizou povos indígenas e negros. Precisamos ressignificar o 13 de Maio de 1888. Essa data não é sobre a concessão da elite, sobre o bom coração da Princesa Isabel e nem sobre um “acordo” entre brancos e negros. É sobre a sobrevivência daqueles que vieram traficados em condições subumanas em um navio; é sobre as escravas que abortavam para não terem seus filhos escravos; é sobre aqueles que viam nas marcas de ferro sob os corpos dos negros fugidos a possibilidade da fuga; é sobre aqueles que, diante de tanta brutalidade, morreram no caminho para a América; é sobre os quilombos, a capoeira, o samba, o candomblé. É sobre a resistência dos negros, as desobediências aos senhores, o banzo – saudades ou falta muita dolorosa que os escravos sentiam de seus lugares de origem ou de uma pessoa em especial. É sobre luta, é sobre força e coragem! A Lei Áurea não tem nada a ver com a Casa Grande e com a princesa européia. A Lei Áurea veio da senzala, da lamúria e da dor dos meus ancestrais que transformaram lágrimas em instrumento de luta. O negro é a raiz da liberdade! Obrigado, meu povo, por ter construído um caminho coletivo de luta que, hoje, permite-me estar na universidade pública e não no pelourinho. Obrigado, profundamente, por fortificarem nossa trajetória e transformarem a experiência de se olhar no espelho em algo belo e aprazível. Obrigado por me espiritualizarem e me fazer sentir parte de um todo, de uma origem, de uma mãe comum. Obrigado, meu povo negro, por transformar meu ressentimento em luta política.