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A disposição para mudar


CORA

Naquele dia, quando Cora a viu, no mesmo bar que ia sempre, tomando o mesmo drink que bebia sempre, encantou-se pelo lindo sorriso que ela exibia, com algum mistério. Depois, viu que, de um modo enigmático, se sentia intimidada a passear por cada pedaço do belo corpo daquela moça. Cora se aproximou dizendo uma bobagem qualquer, Lina riu e elas começaram a conversar. Logo, Cora ficou ainda mais encantada, ao perceber que Lina tinha interesses e opiniões tão similares às dela...! Chegando em casa, ao subir o elevador, Cora viu seu reflexo no espelho e achou bonito o seu próprio sorriso. Descobriu, depois, que Lina tinha o mesmo signo que ela. Também se deu conta de que elas tinham quase a mesma altura e quase o mesmo peso. Com o tempo, uma gostava cada vez mais da outra, mas enquanto Lina apenas curtia, Cora sofria, encasquetada com a ideia de que elas eram parecidas demais. Pensava obsessivamente se estava se apaixonando por Lina ou se Cora era tão egoísta assim, a ponto de se apaixonar por si mesma refletida em outra pessoa. Isso não vai dar certo, preciso me afastar, ela pensava, mas meio que esquecia de fazer isso. Certo dia, enquanto se perdia em seus pensamentos, viu que Lina a encarava. “O que tá olhando?” “Oficina vazia, mente do diabo” - respondeu Lina - pare de pensar bobeira aí e venha me ajudar a empurrar o sofá pra mudar a cara da sala. Naquele momento, Cora ficou chocada: como assim, mudar os móveis da sala? Que tipo de pessoa poderia fazer isso? Como é que se poderia mudar a cara de alguma coisa tão grave como a própria sala de casa? Foi aí, então, que Cora sentiu que a angústia de mudar algo, que até aí era pra ela tão comum e tão insuportável, lhe apareceu diferente - lhe chegou como uma surpresa. E foi empurrando o sofá, o raque e ajeitando o tapete do modo mais simétrico o possível - pois por Lina o tapete ficaria todo torto mesmo - que Cora, pela primeira vez, se deu conta de que estava se divertindo mudando algo. E foi aí que ela se lembrou de que já havia visto Lina uma semana antes de conversar com ela pela primeira vez, na semana anterior, no mesmo bar, e que o que chamou a atenção dela é que, numa semana Lina tinha os cabelos loiros e na semana seguinte eles eram lilás. Pois é, a gente sempre ama a diferença, ela pensava, enquanto entendia o que sua mãe lhe disse algumas vezes: “quando a carroça anda, as melancias se ajeitam”.

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