A incorporação do outro
CORPO, PALAVRAS E AMOR
Nosso corpo é feito de células e de palavras, de órgãos e de letras, de sangue e de tons de voz.
O modo como as pessoas falam conosco, nos atravessa. Nosso corpo responde a tons de voz, a ironias, a histórias.
Alguém diz que precisa falar conosco e o coração acelera. Ouvimos a fulana dizer que o filho está com piolhos e a nossa cabeça coça, ainda que não tenhamos tido contato algum com o menino. Batemos papo com alguém triste e triste ficamos. Tomamos um comprimido recomendado de modo carinhoso por uma pessoa querida e ele nos faz bem, ainda que seja de farinha. Conversamos com alguém que está sem voz e de repente estamos cochichando.
As fronteiras entre nós só são óbvias na carne, psiquicamente é muito trabalhoso nos separarmos dos outros.
O amor, na ânsia de tornar o perto ainda mais perto, nos pega em nosso "ponto cego psíquico".
Freud escreveu em "O mal-estar na civilização" (1930) que 'no auge do sentimento de amor, a fronteira entre ego e objeto ameaça desaparecer'.
Assim, o amor não deixa de ser um estado de loucura, embora não seja patológico.
Daí a imensa importância que as palavras do amado ganham para o amante.
No amor o corpo de um passa a ser feito também pelas palavras do outro.
Um perigo.