A importância de se perguntar sobre si mesmo
- Ana Suy Sesarino Kuss
- 5 de abr. de 2017
- 3 min de leitura
SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO PSICANALÍTICO
Quando alguém vai procurar uma análise pela primeira vez, geralmente o faz porque tem perguntas e quer respostas, porque quer ficar mais parecido com quem queria ser mas não consegue ser, porque quer alcançar os seus "objetivos de vida".
Caso se trate de um neurótico que pode se responsabilizar pelo seu sofrimento (é importante frisar isso porque nem todos são neuróticos e porque nem todos os neuróticos podem se responsabilizar já no começo), rapidamente a pessoa percebe que não é tão simples assim se livrar de quem se foi até então. Não porque a psicanálise seja lenta ou ineficaz, mas porque o neurótico vive uma relação de amor com seu sintoma.
Isso pode parecer muito esquisito num primeiro momento, pois como podemos amar aquilo que nos faz sofrer? Mas se tem uma coisa que uma análise nos ensina é que no inconsciente uma coisa e o oposto da coisa podem existir ao mesmo tempo. Os opostos não estão tão distantes, ou não são tão opostos assim. Amor e ódio, loucura e sanidade, bom e mau, realidade e fantasia...de repente já não se sabe mais quando se está de um lado ou de outro.
Extraímos alguma satisfação mesmo daquilo que nos faz sofrer (a isso chamamos de gozo em psicanálise). Aí descobre-se que satisfação não é a mesma coisa que prazer. E que se não pudemos abrir mão por conta própria de alguma coisa que nos traz um enorme sofrimento nessa vida, não é por não saber o que devia ser feito ou por burrice, como muitos acreditam, mas é porque encontramos ali uma satisfação que não conseguimos ou que não podemos nomear.
Eis a neurose: ela costuma atender pelo nome de burrice, de amor, de ignorância, de azar, de lei de Murphy, de dedo podre, de horóscopo etc.
Seja lá como for modo como ela toca uma pessoa ao ponto de se tornar um sofrimento digno de procurar ajuda, trata-se sempre, no caso da neurose, de uma satisfação encontrada, que não pode ser reconhecida como tal - o que gera um abafamento do desejo e uma exacerbação da angústia.
Nesses estados de sofrimento, o sujeito distancia-se daquilo que é mais valioso para ele, mas de algum modo, ainda que seja de um jeito muito torto, toca aquilo que lhe é valioso pelo sintoma.
Embora a psicanálise não seja o mesmo que uma psicoterapia, é inegável que ela tenha efeitos terapêuticos. E um dos primeiros efeitos que uma pessoa encontra ao começar a se analisar, na melhor das hipóteses, é poder se aproximar de quem ela é. Não porque a psicanálise ajude as pessoas a encontrarem seus objetivos conscientes, "alcançarem suas metas" ou responderem as suas perguntas.
Mas porque a análise é um processo de desconstrução. O neurótico é alguém que está de saco cheio de si mesmo. Está entupido de sentidos para a vida e de idealizações a realizar.
O caminho de uma análise psicanalítica nos leva a perceber que não são as respostas que nos salvam, são as perguntas. E aí aprende-se a perguntar sobre si mesmo, a querer saber do próprio desejo, a ficar curioso com quem se é e não com quem se acha que deveria ser.
É desconstruindo uma série de sentidos que se tem, (mas que geralmente só podem ser percebidos depois) que o desejo aparece.
Aí, então, pode-se começar a descobrir que se tornar mais parecido consigo mesmo é mais simples (embora simples não seja sinônimo de fácil) do que ser massacrado pelos próprios ideais superegóicos.