Do que não se compartilha
Tentei falar com você de várias maneiras; ah, deus sabe como eu tentei.
Olhei nos seus olhos, mais de uma vez, para dizer dos nossos desencontros – mas te desencontrei, todas as vezes. Sei que você também deve ter me desencontrado. Parece que nós nos perdemos nas dimensões da vida. Me sentia morando com você, mas vivendo em um tempo diferente.
Certo dia, que talvez fosse errado, decidi falar com você, mesmo você não sendo mais a você por quem me apaixonei. Resolvi me abrir, ainda que para a desconhecida-portadora-de-traços-e-cheiros-familiares que você se tornou para mim. Te contei que eu sentia falta de compartilhar o tempo com você. Você sorriu de um modo doce, pegou seu celular, escreveu a palavra “tempo” no facebook, me marcou no post e compartilhou. E aí riu de um modo ácido.
Sim, é claro que eu sei que foi uma brincadeira. Inclusive, eu certamente teria achado o riso que essa brincadeira lhe gerou, super sexy há uns anos, ou quem sabe há uns meses, ou ainda, horas antes. Mas ocorre que naquela hora, achei de uma maldade incrível. Me doeu. Te contei que me doeu e você riu, embora tenha pedido desculpas com cara de quem também estranhava aquele homem que se chateava com aquele tipo de coisa.
Não foi por mim que você se apaixonou, não foi por você que eu me apaixonei. Você não ficou fria e eu não fiquei excessivamente sensível, como dissemos um ao outro no tempo em que tínhamos energia para dr’s. É que não éramos mais os mesmos.
E foi sabendo do estranho que me tornei para você e da estranha que você se tornou para mim, que naquele dia errado, que talvez fosse o certo, lhe deixei um bilhete em cima da cama: “pra você deixo o seu tempo no seu prazo. comigo levo apenas o tempo que não tive a chance de compartilhar”.