Ela tem idade para ser sua mãe
- Ivan Martins
- 7 de mai. de 2017
- 4 min de leitura
Diga-me com quem casa e lhe direi quem é.
Eu nunca ouvi essa frase em lugar nenhum, mas ela poderia ser usada com grande dose de verdade. A pessoa que a gente escolhe para ser nossa parceira em algo importante como o casamento revela um bocado sobre quem somos – e sobre quais são os nossos valores.
Pensei nisso ontem, ao ler sobre Emmanuel Macron, o jovem político francês que vai disputar o segundo turno das eleições presidenciais contra a fascista Marine Le Pen.
Macron tem 39 anos e é casado com Brigitte Trogneux, de 64. Eles se conheceram na escola católica em que ele era o aluno prodígio e ela dava aulas de francês e latim. Brigitte era casada com um banqueiro e tinha três filhos. Os dois se apaixonaram – ele com 15, ela com 39 anos – e o escândalo que se seguiu a afastou da escola e encerrou seu casamento. Se reencontraram três anos depois, quando Macron foi fazer faculdade em Paris. Estão juntos desde então, casaram-se em 2007.
Aquilo que muitos resumiriam a um caso de abuso sexual se transformou numa parceria existencial bem-sucedida. “Sem Brigitte, eu não seria o que eu sou”, disse Macron, depois de vencer o primeiro turno das eleições.
Por que essa história me espanta tanto?
Porque a regra na sociedade em que vivemos é que homens poderosos se casam com beldades muito mais novas do que eles. Olha o Trump, olha o Temer, olha o Macri, presidente da Argentina. Ou então eles se mantêm casados com mulheres da idade deles e se relacionam abertamente com gente mais jovem. Vou poupar vocês da segunda lista de nomes.
Macron é uma exceção espetacular.
Jovem, bonito, intelectualmente brilhante, de família abastada, ele poderia escolher qualquer gatinha da elite francesa para decorar a sua vida e o seu palanque. Em vez disso, manteve-se fiel a um amor de adolescência e casou-se com uma mulher com idade para ser sua mãe, o que lhe trouxe vários dissabores. A família dele era contra a relação com Brigitte os filhos dela resistiam a ter como padrasto um cara quase da idade deles, e, segundo a imprensa francesa, o casal ainda hoje evita as redes sociais, porque a diferença de idade entre eles provoca toda sorte de comentários escrotos.
Para quem acha que a rejeição a esse tipo de arranjo é localizada, lembro uma história brasileira: a apresentadora Marília Gabriela, que viveu por oito anos com o ator Reynaldo Gianecchini, 25 anos mais novo do que ela, conta que os ataques que sofria eram tão pesados, e tão frequentes, que ela se perguntava todas as manhãs se a parte boa daquela relação justificava o desgosto. A resposta dela era que sim.
Não são apenas as famílias que resistem ao relacionamento entre homens jovens e mulheres maduras. Muita gente em volta torce o nariz. A sociedade vê com estranheza esse tipo de combinação. Se o casal for famoso, a mulher passa a ser criticada publicamente. Todos acham aceitável que coroas ricos, famosos ou poderosos andem com jovens bonitas, ainda que se façam ironias e piadas, ainda que se exerçam julgamentos. Quando acontece o contrário, vira escândalo, e a principal vítima dele é a mulher.
É preciso que o casal seja muito corajoso – e bem pouco convencional – para afrontar uma convenção tão arraigada.
As pessoas acham que o amor de verdade enfrenta todas as barreiras, mas isso é mais lenda do que verdade. O amor costuma ter preguiça e bom-senso. As pessoas se apaixonam no seu grupo social, por gente que todos em volta acham bacana, seguindo as regras sugeridas pela sociedade. O amor acontece entre pessoas da mesma cor, dentro da mesma classe, no interior do mesmo grupo cultural e etário. O resto é exceção e exige coragem, sobretudo das mulheres. O machismo faz com que sobre elas recaiam as piores recriminações.
Por isso é quase inacreditável que nos tempos atuais uma mulher casada tenha se permitido apaixonar por um aluno de 15 anos de idade. Por isso é espantoso que o aluno, tendo se tornado adulto, abrace esse amor com a firmeza demonstrada por Macron.
Eu sei pouco sobre o que ele pensa politicamente, mas é improvável que votasse num liberal como Macron no Brasil. Ainda assim, ele tem a minha admiração. Não é fácil ser diferente. Não é fácil aceitar que o seu amor é diferente dos demais. É preciso ter um bocado de caráter para levar para a vida pública uma decisão privada dessa natureza, capaz de atrair escárnio e controvérsia.
A história de Macron e Brigitte me dá a impressão redentora de que o amor existe. Não aquele amor que abraça as convenções e dorme com o statu quo. Não o amor das novelas, dos romances e dos filmes, que junta beleza com beleza, dinheiro com dinheiro, poder com poder, juventude com juventude. O amor de Macron e Brigitte (embora perfeitamente burguês, porque os dois são ricos) é rebelde e insubmisso, verdadeiramente perigoso para os seus protagonistas – capaz de destruir uma reputação, implodir uma família e recriar duas vidas. Ele sugere, num lance de romancismo exacerbado, que tudo é possível, desde que se tenha coragem, princípios e sentimentos suficientes para ancorar os próprios atos.
Fonte: http://epoca.globo.com/sociedade/ivan-martins/noticia/2017/04/ela-tem-idade-para-ser-sua-mae.html