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Eu não sou o meu sintoma.




[Alerta gatilho]


A primeira vez que tive uma crise de ansiedade consciente foi atendendo um paciente. Eu tinha notado que eu estava realmente sobrecarregado de trabalho, mas aquilo era muito natural na minha rotina e, assim, tive um colapso durante o trabalho. O paciente estava lá contando as questões dele e foi como se a minha cabeça se dividisse em duas. Em uma parte, eu estava ali presente, fazendo intervenções, falando, escutando; na outra, eu estava em pânico, não cabendo em mim, querendo sair correndo em busca de ar e fugindo daquela sensação.

Fato é que eu venho de trajetória popular e isso faz com que eu tenha dificuldade de interromper a minha rotina de trabalho. Eu amo o que eu faço e aí mora algo que pode se tornar um problema. Quando a gente gosta muito do que a gente faz, a possibilidade da gente se misturar à tarefa e exceder na nossa entrega é muito grande. Foi o que aconteceu.

Além de eu ser apaixonado pelo meu trabalho, meu trabalho me dava uma sensação de que eu estava produzindo vivo, funcional, ativo, saudável. Eu não queria parar, não queria parar de trabalhar. O trabalho me deu acesso a uma vida mais confortável, me possibilitou conquistas. Contudo, eu esqueci que precisava de lazer e que ele é fundamental para que a gente se sinta bem, vivo e em paz. A gente esquece que lazer não é capricho, mas parte do nosso cuidado.

A construção que fiz do meu trabalho me enlouqueceu momentaneamente e me colocou numa prisão. Eu tinha medo de enlouquecer e naquele dia eu achei que tinha virado a chave e que eu iria perder tudo. Na verdade, o medo que eu tinha era constatar que o volume de trabalho me colocava frente a frente com perigo.

Eu precisava transformar meu modo de dar sentido à minha vida. Era justamente tendo medo que eu entendia que precisava me cuidar. Eu precisava estar atento à minha saúde e o medo de enlouquecer me apontou um caminho para não me negligenciar mais.

Eu não sou o meu sintoma. Eu não sou angústia, não sou taquicardia, não sou pensamento catastrófico. O sintoma faz parte do meu processo, mas eu não posso me confundir com ele. Às vezes, a gente acha que parar ou mudar não é uma opção, mas é justamente o elemento da nossa jornada que permite nos reorganizarmos, realocar prioridades, repensar como estar presente em nossas relações.

O presente não veio na embalagem mais bonita, mas certamente adoecer me possibilitou sair de uma vida de prisioneiro. Foi e ainda é difícil, mas é possível descobrir caminhos para ser mais livre, mais confiante, mais presente. Isso é presente.



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